Texto curatorial para exposição coletiva
Em construção já é ruína (2023)

3–4 minutos

A artista Eleonora Fabião chama de precário aquilo que “em construção, já é ruína”. A referência a Claude Lévi-Strauss carrega certo lamento pela destruição precoce do que ainda não pôde criar história. A precariedade de Fabião, no entanto, sugere uma potência antes performática do que trágica. Ruína é aqui entendida não como decadência ou cessar de uma construção e sim como nova forma de existência que se configura a partir dela, com, entre e sobre ela. A vegetação que pode recobri-la, as partes que faltam ou às quais não temos acesso. Não se trata de representação morta, calcinada, cristalizada, mas de exploração viva, que reflete a transitoriedade da experiência humana.

Pedaços vivos dessa construção em ruínas – ou ruínas em construção – são aqui revelados: fragmentos expostos de cada artista que espelham e ficcionalizam diferentes momentos de vida e produção. São poéticas em contínua elaboração que se refazem na lida com o cotidiano, a cada gesto, com cada observador, o qual pode retirar daquilo um novo fragmento de si e do mundo, acolher novas maneiras de ser afetado pelo entorno. Expor é uma forma de tornar-se permeável, compartilhar-se com o outro na esperança de encontrar contrapontos, acordos, negociações, reflexões, ressonâncias, vibrações. Ao passo que um trabalho de arte nunca está pronto, é parte da vida e, portanto, sempre em movimento.

Os trabalhos aqui reunidos desafiam as noções tradicionais de estabilidade e permanência, lembrando-nos de nossa própria vulnerabilidade. Daniela Torrente faz intervenções em fotografias, ecoando ao mesmo tempo a memória, o apagamento e o deslocamento de sua herança armênia. Anderson Marques, por sua vez, intervém com a fotografia em fragmentos achados na rua. Ambos trazem diferentes perspectivas sobre derivas, fronteiras e lugares de pertencimento, o que ressoa também nas faltas e vazios dos buracos suturados de Nina Tomé, que cartografa espaços de intimidade a partir de ausências. Intimidade revestida e expandida por Isadora Bertholdo: seu próprio quarto em ruína, resultado de processo ambíguo entre a construção e a desconstrução do espaço. Já Kiko propõe desconstruir imagens massificadas e marcas registradas, apropriando-se de signos já consagrados e deslocando-os para outros meios de significação e vivência. E, enquanto nïco suspende corpos ambíguos que vibram no espaço, Isabella Carvalho reflete sobre o espaço que vibra no corpo – além do corpo que negocia, se perde e se encontra no espaço e no tempo. Memórias de infância também ressoam e florescem em fragmentos corporais tecidos nos padrões de Naia Ceschin. Quais marcas o ambiente, as memórias, as pressões externas são capazes de imprimir em um corpo? Em outra abordagem, Marie Kappel disseca o corpo fisiológico que trabalha e se molda em função do corporativismo, violência silenciosa. Silêncio também provocado pela invisibilidade do corpo na paisagem e pelos horrores do feminicídio, abordados por Paula Faraco.

Mais de uma narrativa pode emergir desses fragmentos, que sugerem refletir sobre como a precariedade se manifesta em nossas vidas e como podemos abraçar as mudanças e desconfortos inevitáveis do solo contemporâneo, buscar rotas de fuga que nos permitam lidar com a perda, com a efemeridade, com as invisibilidades, refletir sobre como nos apropriamos de nossa relação com o mundo.

por Nina Tomé